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PESQUISA

Narigueira Emplumada Nambiquara

A narigueira emplumada Nambiquara atravessa o orifício artificial do septo nasal, perfurado durante a cerimônia de iniciação à puberdade masculina. Pode apresentar dimensões variadas, a depender da pena empregada. A de pena de arara tem aproximadamente trinta e cinco centímetros de comprimento e a de mutum ou gavião mede em torno de vinte e cinco centímetros. Essa única pena está encastoada a um pequeno rolete de taquara e este a uma haste de madeira circundada por uma roseta de plumas pretas, vermelhas e amarelas do tucano, atadas a um cordel de algodão untado com cera de abelhas.

O povo Nambiquara vive atualmente em pequenas aldeias, nas nascentes dos rios Juruena e Guaporé, em Mato Grosso, até Ji-Paraná e Roosevelt, no sul de Rondônia, na fronteira do Brasil com a Bolívia, na Amazônia Legal. Dividido em vários grupos, sua população conta com aproximadamente 2.000 indivíduos, distribuídos em ecossistemas distintos: Cerrado, Serra do Norte e Vale do Guaporé.

No final do século XIX, Cândido Mariano da Silva Rondon recebeu o encargo de chefiar a Comissão de Construção de Linhas Telegráficas e Estratégicas de Mato Grosso ao Amazonas. Por toda a região percorrida, também se preocupou em realizar levantamentos cartográficos, botânicos, topográficos, zoológicos, etnográficos e linguísticos. Ao adentrar em territórios indígenas, no campo da etnografia, a ‘Comissão Rondon’, conforme ficou designada, recolheu um significativo número de artefatos. Com 1.500 peças, o conjunto integra atualmente o acervo do Museu Nacional do Rio de Janeiro, considerado uma das maiores coleções do Setor de Etnologia. Pelas mãos de Edgar Roquette-Pinto, então Naturalista na Seção de Antropologia do Museu Nacional, a narigueira emplumada Nambiquara, um adereço de apanágio masculino, chegou à instituição e foi descrita em seu livro Rondônia, de 1912. Entretanto, raras são as instituições museológicas que possuem narigueiras emplumadas Nambiquara em seu acervo. A peça exposta faz parte do acervo do Centro Cultural Ikuiapá, da Fundação Nacional do Índio, Cuiabá, Mato Grosso.

Junto ao adorno, os homens podem complementar a indumentária com o aro emplumado com penas de tucano, este também utilizado pela menina moça durante as festividades do ritual de iniciação à puberdade feminina, brincos e colar de coco tucum, brincos de madrepérola, pulseira de cauda de tatu e estreitas braçadeiras tecidas.

O povo Nambiquara do Cerrado acredita que na abóbada celeste existe uma enorme figueira, Haluhalunekisu, de imensas raízes que envolvem a terra de todos os homens. Halu, halu representa o choro da mulher-espírito, dona da figueira nativa, encontrada nas florestas do território Nambiquara; nekisu significa árvore.Assim, Haluhalunekisu é a “Árvore do choro”. Dauasununsu, ser sobrenatural, conhecedor de todas as coisas, reina nesse frondoso vegetal de copa verdejante. Mas, não está só: em seus galhos vivem as aves curiangos, tesoureiros grandes e tesoureiros pequenos. No começo da estação chuvosa frequentam a terra para procriar e somente quando as asas de seus filhotes estão crescidas e emplumadas o suficiente para voar, o bando retorna à árvore celestial. Além desses pássaros, existem as libélulas, encarregadas por Dauasununsu de fazer chover. Nas ramagens de Haluhalunekisu vive também um gavião, ave rapina que constrói seu ninho feito de ossos e cabelos humanos. É temida tanto por aqueles pássaros e insetos moradores da figueira quanto pelos experientes pajés, únicos que podem enxergar suas raízes e que precisam frequentar a árvore com regularidade. Ao seguirem por suas imensas raízes, caminho inversamente percorrido pelos raios, os pajés conseguem atingir a copa da árvore, a fim de renovar seus poderes espirituais junto a Dauasununsu, momento em que também são presenteados com novos nomes para dar às crianças que estão para nascer.

Na concepção Nambiquara, a narigueira emplumada representa o gavião, morador da árvore celestial. Possuidor de forças inumanas, ao ceder uma de suas penas, a ave transfere poderes ao pajé que, ao ornar-se com tal atavio, passa a ter o privilégio de voar e chegar até Haluhalunekisu. Ao retornar com mais forças, tem condições de combater as ações dos espíritos malfeitores que costumeiramente alimentam-se das enormes raízes suspensas, com o propósito de impedir o encontro do pajé com Dauasununsu.

Para o Nambiquara, o equilíbrio da vida depende do trabalho de purificação da figueira celestial.  Essa tarefa é instigada pelo repertório musical do pajé, entoado nas sessões noturnas de cura. Cantam os índios: “O filhote de gavião está chorando porque debaixo dela está muito sujo”. Essa impureza refere-se aos desacertos relacionados às atitudes humanas. Mas, proporcionar harmonia à aldeia não é uma atribuição específica dos pajés. Todos têm a responsabilidade de trazer alegria ao espaço aldeão. Dessa forma, podem impedir que as folhas da figueira percam sua cor verdejante, ressequem e caiam sobre a aldeia, sinais de desagrado de Dauasununsu. É importante que satisfaçam seus desejos de alegria, bondade e beleza. Caso contrário, castigará a todos, indistintamente, com a escuridão. 

Bibliografia

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COSTA, Anna Maria Ribeiro F. M. Costa. Wanintesu: um construtor do mundo Nambiquara. Recife: Editora da Universidade Federal de Pernambuco, 2010 (Teses e Dissertações, 32).

MILLER, Joana. As coisas: os enfeites corporais e a noção de pessoa entre os Mamaindê (Nambiquara). Tese. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Museu Nacional. Programa de Pós-graduação em Antropologia Social, Rio de Janeiro, 2007.

OBERG, Kalervo. The Nambicuara. In: Indian tribes of northern Mato Grosso, Brazil.Smithsonian Institution. Institute of Social Anthropology, Publ. n. 15, Washington, 1953, p. 82-105.

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RIBEIRO, Berta G. Dicionário do artesanato indígena. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1988.

Roquette-Pinto, Edgar. Rondonia. 2ª ed. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1919.