Apesar de terem DNA "indirry", os índios pataxós, que vivem no sul da Bahia, podem agora dizer com mais autoridade que são realmente índios, por incrível que pareça.
O sangue não-índio, ou "indirry" como se diz na quase morta língua dos pataxós, é fruto da grande miscigenação que ocorreu entre os índios, os europeus e os africanos.
Hoje, à primeira vista, os pataxós são quase indistingüíveis da maioria das populações rurais da região onde vivem. Engrossam o caldo dos 750 mil índios autodeclarados existentes no Brasil, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Apesar da grande mestiçagem e da perda da língua e de parte da cultura, os pataxós sempre fizeram questão de se diferenciar de outros povos mestiços e se identificarem como índios. Agora os geneticistas sabem por quê.
Um estudo inédito feito por cientistas da USP e da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia mostra que o intercâmbio de genes em séculos de colonização não conseguiu descaracterizar totalmente a etnia, como se imaginava.
"Usamos três tipos de marcadores genéticos. O DNA mitocondrial [transmitido da mãe aos filhos], o autossômico [presente no núcleo das células] e o do cromossomo Y [transmitido apenas pelo pai]", explica Aguinaldo Luis Simões, professor da USP em Ribeirão Preto e um dos autores do estudo.
A aplicação dessas três ferramentas genéticas em amostras de sangue de 180 índios resultou no veredicto: no caso do DNA mitocondrial, registrou-se uma média de 60% de material genético ameríndio. Nos outros dois, a taxa é de 50%.
De acordo com o médico, claramente, a "população conservou características ameríndias em seu DNA". Isso em maior proporção quando comparado com as informações genéticas transmitidas pelos europeus e pelos negros ao longo dos anos.
Índio estatístico
O estudo enfocou a população de pataxós de seis aldeias. "Claro que em um indivíduo apenas, a situação pode ser diferente, mas o importante, neste nosso caso, é o conjunto", ressalta Simões.
A composição genética dos pataxós também variou entre as seis comunidades estudadas: Coroa Vermelha, Boca da Mata, Barra Velha, Imbiriba, Pires e Águas Belas. "Na Coroa Vermelha, por exemplo, o DNA mitocondrial registrou uma ancestralidade ameríndia de 80%."
Além de estar preocupado em publicar os dados em artigos científicos até o fim do ano, Simões também quer contar as descobertas genéticas --os resultados foram apresentados a cientistas no Congresso Brasileiro de Genética realizado nesta semana em Águas de Lindóia (SP)-- aos principais interessados, os próprios pataxós.
A comunidade, hoje, segundo Simões, calculada em aproximadamente 4,7 mil pessoas, ficou surpresa quando os pesquisadores apareceram lá na Bahia para iniciar o estudo, há cinco anos. "Ninguém está muito interessado na gente", disseram os índios, no relato do pesquisador da USP.
A informação genética, acredita Simões, será bastante útil até para a preservação da etnia.
A mesma opinião tem a antropóloga Maria Rosário Carvalho, da Universidade Federal da Bahia. "Na verdade, a genética vem mostrar algo que a antropologia diz desde os anos 1970. A mistura lá [nas comunidades pataxós] não é tão grande quanto parece", disse Carvalho, uma das poucas especialistas em pataxós do Brasil.
Para ela, o estudo genético só reforça o "direito legítimo" que os índios têm à sua terra.
E, do ponto vista cultural, Carvalho não hesita em responder. "A identidade cultural dos pataxós continua muito firme em toda a região", assegura.
Confusão cabralina
Apesar de estarem bem presentes nos arredores de Porto Seguro, os pataxós não foram as testemunhas da invasão dos portugueses em abril de 1500.
Os moradores da região naquele tempo eram os tupiniquins, falantes de uma língua do tronco tupi. Foram eles os índios registrados na certidão de nascimento do Brasil (segundo os europeus), a carta de Pero Vaz de Caminha. "Com certeza os índios de Caminha não eram pataxós, mas eles já deveriam estar próximos daquela região. Existe uma ligação histórica entre os dois grupos", explica a antropóloga.
Os pataxós, que agora recebem seu certificado genético, pertencem ao tronco lingüístico macro-jê. Eles viviam no sertão da atual Minas Gerais, e foram descridos pelos portugueses pela primeira em 1663.
Segundo sua tradição oral, os pataxós formavam com os botocudos (já extintos) e os maxacalis (de Minas) o grupo dos "temíveis" aimorés quando os portugueses chegaram ao Brasil e ainda viram uma extensa "mantureba" (mata grossa, no dizer dos pataxós) no litoral.
Folha Online / Ciência e Saúde