Recife - Adornados com óleo de massaranduba e penas de gavião, os guerreiros andam à frente das mulheres e crianças. Na cabeça, cocares de penas vermelhas e azuis. Junto ao peito, uma espécie de colar de linha branca. Amarrados aos calcanhares, chocalhos. A pintura do corpo, vermelha e preta, feita de urucum e jenipapo, não deixa dúvida. A noite é de festa.
Assim chegaram os índios Assurini, do sul do Pará, para a abertura da nona edição dos Jogos dos Povos Indígenas, ontem (24), na Praia do Bairro Novo, em Olinda (PE). Sob a lua cheia, pois, a competição segue o calendário lunar indígena e coincide com essa fase da lua, os Assurini cantaram o Hino Nacional. E deram ritmo à melodia com batidas de tacos de madeira chamados por eles de taoarí.
“É a primeira vez que participamos da competição”, disse o jovem Trakajé, 25 anos. Tímido, ao arrumar o adorno de madeira que usa na orelha chamado botoque, fala que está ansioso para o início das disputas. E conta que quer participar das competições de arco e flecha, corrida de 100 metros e, claro, futebol. “Essas são as que a gente sabe mais”.
Trakajé promete empenho. Mas sabe que o importante não é vencer. “A gente fica muito tempo na nossa aldeia e aqui vamos saber um pouco como vivem os parentes”. Ele quer aproveitar também para discutir com outras etnias questões como saúde, preservação do meio ambiente e demarcação de terras. Haverá durante a competição ciclos de debates.
Do povo Paresi Haliti, habitante de Mato Grosso, Zenazokenaé, nome indígena, Evandro na língua dos brancos, aos 18 anos participa dos jogos pela primeira vez. Ele pretende se inscrever na competição de cabo de guerra e na apresentação de xikunahity, uma espécie de futebol com bolas de látex em que os gols são feitos por cabeceios.
Ontem, Zenazokenaé acendeu tochas em torno da arena onde serão realizadas provas de algumas da dez modalidades em disputa por cerca de 30 etnias. A cada tocha, o público que lotou as arquibancadas aplaudia de pé. Como ocorreu durante uma prévia da corrida com toras, apresentada pelo povo Xavante. Com habilidade e força, os homens revezaram uma tora de buriti de120 quilos. As mulheres carregaram troncos de 100 quilos.
Para o ministro do Esporte, Orlando Silva, que esteve na abertura do evento, a participação do público será fundamental durante os dias de competição. “A beleza estará no que acontece nas arenas, nas manifestações culturais dos povos que aqui estão, mas, sobretudo na vibração da torcida”, disse. “Muitas pessoas terão contato com culturas de povos tradicionais pela primeira vez. O que para muitos era história, será vivenciado aqui”.
Um dos organizadores dos jogos, Marcos Terena, que é presidente do Comitê Intertribal-Memória e Ciência Indígena, disse que o importante na competição não é ganhar, mas valorizar as tradições. “Não vamos transformar os jogos em um campeonato de índios, mas sim celebrar o meio ambiente, a terra, a natureza e, principalmente, demonstrar que o Brasil tem 220 povos, 180 línguas e quer ter o direito à terra, que é sagrado”, diz. Sem a proteção dos territórios, Terena avalia que os índios correm o risco de serem extintos.