Região do rio Jatobá não tem laudo antropológico, mas base para retomada está em suposta transferência 'compelida' para o Xingu
A investida dos Ikpeng na área do rio Jatobá esbarra na falta de um laudo antropológico definitivo para embasar a demarcação. O processo se arrasta, via portaria 1.440 da Funai, desde 2006. O Grupo de Trabalho de Identificação em andamento não entregou a documentação necessária. Não há levantamento fundiário da região reivindicada.
Enquanto isso, expedições à área do Jatobá tiveram apoio do Ministério do Meio Ambiente, via Programa de Apoio ao Agro-Extrativismo da Amazônia. A primeira - que Araka Ikpeng acompanhou - foi realizada em setembro de 2002. O projeto foi acompanhado pelo engenheiro florestal Marcus Schmidt, hoje assessor técnico da Associação Indígena Moygu Comunidade Ikpeng.
A partir das explorações, David Rodgers, antropólogo-coordenador do grupo de trabalho, realizou um laudo preliminar ao qual o Estado teve acesso. A base para a retomada do território, segundo o texto, são elementos de flora e fauna só encontrados na região.
Segundo Rodgers, há quatro itens considerados essenciais para a cultura Ikpeng. O morit, uma espécie de taquara usada para cortar cabelo em cerimônias; o ragop, uma planta usada como medicamento; o próprio ikpeng, ou marimbondo, usado em rituais de iniciação; e o rapiu, uma concha de caramujo usada para adereços.
O antropólogo considera ainda "conceitos cosmológicos" dos Ikpeng para a retomada da área. Alega, em seu material, que durante a permanência do grupo no Jatobá ocorreram diversos funerais, além da "disposição da placenta e do cordão umbilical" - elementos considerados fundamentais para a noção de território dos indígenas.
O argumento jurídico e fundiário encontrado por Rodgers é a transferência "compelida" dos Ikpeng para o Parque do Xingu. "As autoridades públicas foram responsáveis por falhar na proteção dos Ikpeng, enquanto população indígena, das invasões ao seu território e, consequentemente, com relação à possibilidade de danos físicos adicionais infligidos pela população não-indígena que avançava na região", afirma, no documento.
De acordo com a Funai, o relatório definitivo sobre o Jatobá, que está em elaboração, ainda terá de passar por análise de "técnicos responsáveis". Somente assim uma eventual delimitação da área poderá ser publicada no Diário Oficial da União.
Fôlego. Um processo de retomada teve recente sucesso para os índios Xavante, também de Mato Grosso. O caso dá fôlego ao intuito dos Ikpeng. Em decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), no último dia 8, eles reassumiram a terra Maraiwatsede, antes ocupada por posseiros.
Segundo a decisão do TRF1, a etnia Xavante "foi despojada da posse de suas terras na década de 60, a partir do momento em que o Estado de Mato Grosso passou a emitir título de propriedade a não índios".
O Estado de S.Paulo