Em uma sessão tumultuada, a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou ontem (21/03/12) o parecer do deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR), favorável à admissibilidade da proposta de emenda à Constituição (PEC) que transfere da União para o Congresso Nacional a prerrogativa de aprovar e ratificar a demarcação de terras indígenas.
Em tramitação no Congresso há 12 anos, a PEC 215, de autoria do deputado Almir Sá (PPB-RR), inclui entre as competências exclusivas do Congresso Nacional a aprovação da demarcação das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios e a ratificação das demarcações já homologadas. Estabelece ainda que os critérios e procedimentos de demarcação serão regulamentados por lei.
Representantes de tribos indígenas de vários estados do país acompanharam a reunião da CCJ e protestaram todas as vezes que parlamentares defendiam a aprovação da PEC. A segurança da Casa chegou a ser chamada para conter os índios que, por várias vezes, se manifestaram.
Foram mais de quatro horas de debates entre deputados do PT, PV e PCdoB, contrários à PEC, que obstruíram a votação, e representantes da bancada ruralista, favoráveis ao texto. Para tentar evitar a votação do relatório, parlamentares petistas e do PV entraram em processo de obstrução apresentando vários requerimentos para adiamento da votação. Contudo, em maior número, os deputados ruralistas conseguiram manter a votação e aprovar o relatório.
"Essa PEC é um retrocesso não só para os povos indígenas, mas também para as comunidades quilombolas", disse o deputado Luiz Couto (PT-PB), autor de um dos requerimentos para adiamento da votação. Segundo ele, com a aprovação da PEC, se houver um conflito, o governo não poderá atuar imediatamente, porque será necessária autorização do Congresso. "Esta PEC vai provocar um clima de violência", afirmou Couto.
Para o deputado Paulo Teixeira (PT-SP), a PEC aprovada hoje na CCJ "é flagrantemente inconstitucional", porque altera o equilíbrio entre os Poderes. "[A PEC] fere o que poderia ser uma clausula pétrea, do direito da terra para os índios", acrescentou.
Defensor de um requerimento pelo adiamento da votação por cinco sessões, Alessandro Molon (PT-RJ) citou a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a constitucionalidade da demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol para ressaltar que o processo de demarcação é legítimo e deve continuar a ser feito pelo Executivo. "É a nova fronteira agrícola dos ruralistas. Esperamos contar com a mobilização da sociedade civil para reverter o erro cometido hoje [ontem] pela CCJ."
Favorável à proposta, Eliseu Padilha (PMDB-RS) afirmou que a matéria é constitucional. "Não há ofensa na separação dos poderes", disse ele, ao explicar que a nação renuncia ao direito de legislar sobre essa questão e que os parlamentares representam a nação.
O deputado Roberto Freire (PPS-SP) também defendeu a constitucionalidade da PEC. "Estamos discutindo uma proposta de emenda à Constituição, que trata de ordenamento e remete essa competência [de demarcação] ao Congresso Nacional. Temos a tripartição dos Poderes e nada aqui atenta à União, porque somos o Poder Legislativo da União", disse.
Mendonça Filho (DEM-PE) criticou a postura petista, que, para ele, tem o intuito de procrastinar e retardar a aprovação da PEC. "Ao contrário do que dizem, não existe nenhum propósito de rever os atos praticados pela legislação que queremos alterar", disse o democrata.
"Aqueles que estão contra a PEC estão defendendo interesses externos, e não dos índios. Aqui ninguém é contra índio", ressaltou o deputado Francisco Araújo (PSD-RR).
Sarney Filho (PV-MA) alertou que a proposta pode provocar mais violência no campo. "Os fatos nos dizem que, quando há insegurança jurídica, há violência", afirmou o deputado. "Não gostaria de subir á tribuna na semana que vem para anunciar violência e mortes", completou.
Segundo Ivan Valente (PSOL-SP), a PEC aprovada ontem é um retrocesso no direito dos povos indígenas e tem a ver com a pressão para aprovação do Código Florestal. "É a mesma turma que está pressionando para votar o Código Florestal", disse Valente, que apontou "interesses econômicos e imediatistas para ocupar terras que já estão ocupadas e impedir futuras demarcações" entre os que apoiam a PEC.
Aprovada a admissibilidade da PEC, cabe agora ao presidente da Câmara dos Deputados, Marco Maia (PT-RS), criar uma comissão especial para discutir o mérito da proposta. Se aprovada nesta comissão, a matéria terá que ser aprovada em dois turnos pelo plenário da Casa, para, em seguida, ser votada no Senado Federal.
Organizações criticam aprovação da PEC sobre demarcação de terras indígenas
Organizações de apoio aos povos indígenas e às comunidades quilombolas consideram a proposta de emenda à Constituição (PEC) sobre demarcação de terras indígenas e quilombolas uma afronta à Constituição. O parecer do deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR), favorável à admissibilidade da PEC foi aprovado ontem (21/03/12) pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados.
Em tramitação no Congresso há 12 anos, a PEC 215, de autoria do deputado Almir Sá (PPB-RR), inclui entre as competências exclusivas do Congresso Nacional a aprovação da demarcação das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios e a ratificação das demarcações já homologadas. Ela estabelece ainda que os critérios e procedimentos de demarcação serão regulamentados por lei.
O secretário-executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Cléber Buzatto, acompanhou a votação da PEC com delegações indígenas de várias regiões do país. Segundo ele, a notícia da aprovação foi recebida com "tristeza e indignação" pelas lideranças, que acreditam que a proposta é inconstitucional. "A PEC rasga a Constituição no que tange o direito dos povos indígenas e quilombolas sobre suas terras tradicionais."
Para Buzatto, o governo não fez nada para evitar a votação da proposta, pois o líder do governo não apareceu durante a sessão para tentar uma interlocução. "Nem no momento em que a situação ficou tensa ele apareceu para demonstrar solidariedade. Estamos entendendo que, pelo contrário, ao não agir diretamente, o governo optou pela base vinculada ao agronegócio e à bancada evangélica".
Ele disse ainda que os povos indígenas e as comunidades quilombolas vão se articular para evitar a aprovação da PEC no plenário da Câmara dos Deputados. "Caso a proposta seja aprovada, vamos até a última instância, ou seja o STF [Supremo Tribunal Federal]. Esse ataque provocará uma reação forte dos povos indígenas".
O diretor do Departamento de Proteção ao Patrimônio Afro-Brasileiro da Fundação Cultural Palmares, Alexandro Reis, acredita que o Congresso se precipitou ao aprovar a PEC. "A Câmara e o Senado, antes de aprovar um projeto como esse precisa fazer consultas públicas, ouvir as comunidades".
Segundo ele, a proposta é atrasada, pois mostra o desconhecimento da realidade e atende a interesses de algumas pessoas. "Os artigos da Constituição foram construídos não pensando apenas na situação fundiária, mas na condição da cidadania, de ter casa adequada, moradia, saúde e educação".
A Agência Brasil procurou a Fundação Nacional do Índio (Funai), mas não obteve resposta até o fechamento da matéria.
FONTE
Agência Brasil
Ivan Richard e Daniella Jinkings - Repórteres
Nádia Franco e Aécio Amado - Edição
Publicado em 22/03/2012